Não me lembro quando tudo começou. Qual o momento exacto em que nos transformámos, como os monstros nos filmes. Em que a nossa vida se converteu num simulacro do que éramos. Em que assistimos, impávidos, à nossa queda. Pior, em que a consentimos, quando vimos nascer palavras novas e as alimentámos como a crias sôfregas e desprotegidas: indiferença, desprezo, repulsa. Ódio. Nem posso acreditar nas coisas que dissemos, que eu disse. Eu, a quem magoava fisicamente o mal inadvertido que te fazia, e agora, dói-me saber que estás bem. E tu, a quem os olhos riam à minha chegada e te inebriavas no meu cheiro, fizeste de cada palavra uma arma de arremesso, de cada gesto um vidro à prova de bala, uma muralha…nem sequer uma despedida. Estamos mortos, meu amor, estamos mortos. Estamos tão mortos que nem sentimos a dor que é a nossa vida.