
Klara
Sara Goldstein. Não sei a idade da Klara. Morava na Travessa da Cruz
Vermelha, nº2. Não sei em que cidade. Ou em que aldeia. A Klara arrumou a
mala à pressa, uma vida inteira dentro de uma mala tão pequena, roupa
interior, artigos de higiene, documentos, talvez cartas…
A Klara
parte em viagem com a mala na mão. Primeiro num camião aberto, de pé,
amparada pelos outros passageiros. Depois de comboio, a mala contra o
peito. Entra na carruagem que o cano da arma lhe apontou. Não sabe o
destino. Eu sei.
O comboio entra na Polónia e a Klara nem
percebe. Não sei se a viagem foi longa, não sei de onde partiu a Klara.
Sei onde chegou. Sei onde o comboio se deteve, Oświęcim, Polska. Os
alemães chamam-lhe Auschwitz. O campo de concentração de Auschwitz II –
Birkenau, que Klara não chegará a conhecer.
Os canos das armas
ordenam aos passageiros que saiam do comboio. Apontam o caminho dos
chuveiros. A Klara entra e os canos gritam que se dispa. A Klara pousa a
mala e tira a roupa, dobrando-a com cuidado. Entra na sala dos duches
com as companheiras de viagem.
Dois homens muito magros, de roupa
às riscas, pegam no corpo da Klara e colocam-no numa espécie de
tabuleiro metálico, sobre uma estrutura com rodas. Empurram em direção à
boca do forno. A Klara sai pela chaminé e sobrevoa o campo de Auschwitz
II – Birkenau, e o campo de Auschwitz I. E Oświęcim. E toda a Polónia. E
a Europa toda. Klara Sara Goldstein.
A mala ainda lá está.