
Deixa ver se não me esqueço, batatas, cenouras,
não sei porque é que aquela bruxa disse aquilo, é mesmo venenosa, manteiga
magra por causa da tensão, que os meus filhos não me ligam nenhuma, têm lá a
vida deles coitados, moram longe, tomates, azeite, bacalhau, tem de ser do
mais baixinho que o outro custa um dinheirão, é verdade que podiam telefonar de
vez em quando, se não sou eu a ligar, ligo pouco para não parecer que abuso, e que saudades
tenho do meu neto, até me doeu o peito a última vez que o vi e ele nem me
conheceu, massa, pimentos, os olhos colados à televisão, carapaus, apetecia-me carapaus com
molho à espanhola, coentros, pão, devia ter feito uma lista, esqueço-me sempre
de fazer uma lista, eras tu que a fazias sempre, a ver se esta semana te vou mudar as
flores e lavar a campa, levo costeletas ou, não, levo antes bifes de frango,
evitar as carnes vermelhas, a médica de família tão simpática mas aquelas unhas
pintadas de negro, que espécie de médica é que pinta as unhas de negro, rabanetes,
feijão, alhos que já não tenho nenhuns e bacalhau sem alhos, não te ligam, estás sempre tão
sozinha, bruxa, não admira que o marido a tenha deixado, com dois filhos nos
braços, coitada, também tem tido o seu fado, a mim é a morte que mos leva
todos, tu, o mano ainda tão novinho, a mana naquele sofrimento até ao fim, a
mãezinha, ovos e fiambre, o pai, que saudades tenho do meu pai tão meu amigo, amigo
de toda a gente, detergente, arroz, porque é que não me vêm ver mais vezes
também não é assim tão longe, mãe tem de comer mais legumes, peixe, açordas, a
mãe nunca ouviu falar da dieta mediterrânica? nunca comi eu outra coisa ou já
não te lembras, há quanto tempo não nos sentamos os dois à mesa, queijo, grão
de bico, azeitonas, o que vale é os nossos entes queridos que nunca nos deixam ficar sós…