La Habana (para mi compadre Ángel, joyero en Carabanchel)
dos sonhos
Já
não sonho os sonhos que sonhava, sabes? Aqueles sonhos redondos em tecnicolor
que me tapavam à noite e eu debaixo deles como num cavalo de corrida à
desfilada. Por vezes voava até cair com um estremeção de ossos e acordava nu no
meio de uma praça cheia de gente e eu a fugir numa cidade desconhecida que
depois daquela esquina era a minha rua e pela outra rua era Paris e o sonho
rebentava como uma bola de sabão furada pela voz da minha mãe ou, mais tarde,
pelos gritos estridentes do despertador e depois, tantas vezes, pelos teus
lábios a derreterem flocos de sonhos que ainda pairavam, borboletas ou
mosquitos, a zunir-me restos da noite na madrugada e eu a prolongar a cama para
os colar à pele como uma tatuagem.
Eram
sonhos que me alimentavam e me protegiam os dias contra o excesso da luz, aquela
luz que cega e revela as impurezas dos corpos como uma gargalhada num velório
ou os dislates incontidos dos bêbados. Sonhos que limavam as arestas aos dias, a bomba na mão dos asmáticos e eu a reaprender a respirar.
A noite tornou-se mais espessa sem eles, um poço de alcatrão que
atravesso cego e sem bengala, estranhamente menos densa, sem corpo nem praça nem
cores e por isso mais pesada e eu a acordar como se não tivesse dormido e só o sol da manhã a atravessar o passador dos estores me salva do pânico…
Já não sonho os sonhos que sonhava, sabes?
Etiquetas:
cor,
palavras e isso
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