Regulamento para a instrução de ordem unida. Capítulo III


Instrução com espingarda
1.º - Das posições e do manejo da espingarda a pé firme

 
Posição normal com espingarda

73 – Cada homem entra na formação tomando a posição de sentido (n.º 30), segurando a arma pelo fuste assentando-a brandamente no terreno pela chapa do couce, com o bico junto ao lado exterior da ponta do pé direito e o cano vertical, devendo, a seguir, e independentemente de voz, tomar a posição de descansar e, seguidamente, a de à vontade.


Ao alto – arma
(Da posição de «sentido»)
(1 tempo)

80 – O braço direito, por um movimento brusco, atira a arma para cima e para a esquerda, de modo a ficar em diagonal em relação ao corpo e com o cano voltado para este, indo a mão esquerda segurá-la pelo fuste, acima da alça, ficando na altura do ombro esquerdo, e a direita pelo delgado.
O antebraço esquerdo fica flectido sobre o braço e perpendicular à espingarda
O braço direito deve ficar vertical e unido ao corpo e o antebraço deve fazer com ele um ângulo recto, ficando a mão em frente da fivela do cinturão e dela afastada uma mão travessa.
 Ministério do Exército 1956

persona. VII


Falamos de máscaras. Do rosto que se coloca sobre o rosto para sermos nós próprios. Os romanos chamavam persona às máscaras do teatro. Per sonare. Expandir a voz.

É verdade que todos usamos máscaras. Que temos
todos a nossa colecção, grande ou pequena, de máscaras que usamos em cada ocasião. Mas também é verdade que cada um tem o seu estilo muito próprio de as usar.

“Davam Grandes Passeios aos Domingos” IV


… gostavam da costa na primavera, as tardes calmas passadas frente ao mar dentro do automóvel, ela a tricotar, ele a ler o jornal ou a ouvir o relato. trocavam poucas palavras, talvez com medo de as gastarem. de vez em quando ele olhava para os surfistas a brincarem com as ondas. às vezes ela seguia o voo de uma gaivota, distraída daquela esgrima de agulhas, e suspirava. não tiveram filhos, não puderam. ele ainda hoje pensa que o corpo dela é solo estéril, nunca teve coragem de lhe revelar o que disse o médico…
se calhar é por isso que ele teve amantes, tantas noites a chegar a casa com o sol a nascer, a deslizar para dentro do quarto devagarinho para eu não ouvir. aquele hábito de tomar sempre um banho primeiro, a lavar os restos da noite com medo que eu cheirasse as putas com quem se deitava. eu, muito quieta, quase sem respirar, no meu canto da cama, com receio que percebesse que estava acordada. nunca me bateu nem nunca me ralhou, é verdade. mas também nunca me elogiou, quanto mais a esmola de uma carícia a disfarçar o desprezo que tem por mim. não sei porque é que não se foi embora. porque é que não te vais embora. um dia queixei-me e disse-me que sempre me respeitou. eu não quero o teu respeito estúpido, não isso a que chamas respeito, quero que me agarres com força, quero o teu corpo no meu, quero os teus dentes na minha nuca, a barba a arranhar-me as coxas. quero que me tomes com o mesmo desejo que guardas para essas mulheres, que me faças as mesmas coisas, que me digas palavras porcas ao ouvido e não esta, esta coisa que fazes por obrigação, esta dor de não te sentir comigo quando estás em mim… quero que passeies comigo de mão dada e me beijes na rua, quero... não sei porque é que eu nunca te disse isto antes e queria tanto dizê-lo.
mas porque é que nunca me disseste isso? eu sempre te quis dar a mão na rua tentei uma vez e tu esquivaste-te não digas que não eras tão solene tão senhora o teu pai tinha bens e eu intimidado é verdade isso do respeito o respeito é muito bonito foi o que me ensinaram e eu não podia pensava que não podia tratar-te como às outras um homem tem desejos vontades e eu não te queria envergonhar e era a ti que eu queria espreitava-te quando te despias a tua pele branca a encadear-me e eu a querer-te assim sem reservas selvagem e sem coragem para não te ofender tu sempre tão recatada tão senhora tão...
… gostam da costa na primavera, as tardes calmas passadas à beira mar, os longos passeios pela praia, os pés descalços quando não está frio, sempre de mãos dadas. há momentos em que param, distraídos, a seguir o voo de uma gaivota ou em que se sentam numa rocha a descansar e a ver os surfistas a brincarem com as ondas. às vezes ela suspira e ele põe-lhe um braço à volta dos ombros, sem dizer nada…

a gaiola


Aqui há muitos anos, no tempo do filho da puta do Salazar, quando eu andava na escola primária, para aí na segunda ou terceira classe, ia à catequese e até ajudava à missa e tudo – desajeitadamente, que se fartaram depressa das minhas trapalhadas.

Um dia, estava eu na igreja velha da minha terra, sozinho com a, creio que era dona Fernanda - se não era passa a ser, já não me lembro bem - uma senhora, para mim velha, de preto, que estava lá sempre a limpar e a arranjar as flores, embrulhada no cheiro a lixívia das beatas. A dona Fernanda, suponhamos, chamou-me e disse que tinha de sair, que não se demorava nada, para eu acender as velas do altar-mor e “não mexas em mais nada, ouviste?”.

Ora, todo ufano com a responsabilidade, agarro naquela coisa que dum lado acende e do outro apaga e acendi as velas do altar-mor, e as outras ao lado que não sei bem se também são ou não e... olhem, acendi as velas todas, mas mesmo todas, mesmo aquelas lá em cima onde só chegava empoleirado no escadote. E não é que ficou linda a igreja assim toda a luzir no hálito do escuro?

Bom, acontece que, estava eu pasmado no meio da igreja a contemplar todas aquelas luzes, quando, olhando melhor, reparo num brilho diferente no rosto de uma santa com ar triste lá em cima numa espécie de nicho ou coisa assim. Arrasto o escadote, que felizmente tinha rodas para as minhas fracas forças de sete ou oito anos, e trepo pelos degraus acima até ficar tête-à-tête com a santa que nem pestanejou com a minha súbita presença. Ao olhar com atenção para a cara pintada da santa, reparei que tinha lágrimas no sítio das lágrimas a escorrerem pelas faces. Lágrimas mesmo, líquidas e… vermelhas, daquele vermelho escuro como o sangue das galinhas que a minha avó matava no quintal, a esguicharem para uma tigela com vinagre.

“O que é que estás a fazer aí meu malandro quem é que te mandou acender as velas todas eu não te disse que eram só as do altar-mor” ou qualquer coisa assim, que só percebi que a dona beata estava a ralhar comigo e eu “a santa está a chorar”, “o quê? não desvies a conversa”, “a santa está a chorar sangue", “o quê!? tu não inventes blasfémias…”, “juro que está a chorar, venha cá ver, olhe:” o dedo pintado de vermelho e nem me lembro de ter tocado nas lágrimas… A dona lixívia arregala os olhos, aproxima-se, tira os óculos põe os óculos, tira os óculos limpa os óculos à camisola, arregala ainda mais os olhos e cai de joelhos a benzer-se, os olhos a explodirem em lágrimas normais.

Fica assim montes de tempo, com os lábios a abrirem e a fecharem como se tivesse a espinha de uma palavra entalada na garganta. Depois começa a emitir um som abafado vindo lá de dentro do negro das roupas, eu sem perceber nada… sei que, às tantas, estava ao pé dela a tentar ouvir e nisto agarra-me pelos braços – foi cá um cagaço – a olhar-me com os olhos molhados e enormes atrás das lentes grossas e a balbuciar uma coisa que ia crescendo como se rodasse o botão do volume, até que percebi milagre milagre milagre e não se calava, a tenaz das mãos a magoarem-me os pulsos e eu a sacudir os braços assustado “ai que me está a aleijar chiça”, lá me soltei nem sei como e fugi dali para fora, para a normalidade da luz do dia…

Corri até à casa dos meus avós e contei a história das lágrimas (não a das velas, olha pois…), o meu avô olha para mim “qual santa, a do manto grande?”, “acho que sim, aquela lá de cima”, “isso não é sangue, é resina”, “como é que sabes?” perguntou alguém que já não me lembro “arranjei essa santa uma vez, a gaiola que tem por baixo da roupa estava toda podre, era melhor fazer uma nova mas o sovina do padre não quis – o meu avô era marceneiro – a cabeça é feita de uma madeira exótica (não consegui fixar o nome anguloso e tropical) que deita uma resina assim encarnada”. E se o meu avô o diz… Adiante.

Ao fim de um dia ou dois a vila estava cheia de gente que acorria de todo o lado para “assistir ao milagre” e já vinha nos jornais e deu na rádio e “parece que vem aí a televisão”… Eu voltei então à igreja, havia uma grande fila (bicha, como se dizia dantes) à porta, dei a volta pela sacristia e entrei pela porta pequena e aquilo estava cheio de gente que eu não conhecia, de pé e ajoelhada, a rezar e a cantar, o padre à nora, já roxo, a tentar manter a “ordem na casa do xenhor!”. À frente da santa, um grupo colorido, lantejoulas e roupas assim mesmo esquisitas para a pequenez da minha vila, gente do circo – era o tempo da feira de Maio – que tinha vindo ver o milagre e o milagre era ver aquelas cores todas juntas ali na igreja.

Foram uns dias confusos até que veio o bispo, e o sacristão foi chamar-me à escola “dá licença senhora professora é que o senhor bispo quer conhecer a criança que descobriu o milagre” eu a escorregar pela carteira abaixo, a fazer-me pequenino, a professora a enrugar a testa naquele jeito de quando a gente não sabia responder quando ia ao quadro e o sacristão a apontar “aquele ali” o dedo curtinho muito esticado, uma pistola a apontar para mim. “Este?!” um guincho de troça e incredibilidade a sair da testa enrugada, o sacristão a abanar a careca com força e a fazer saltar os três cabelos atravessados de uma orelha à outra “bom, vai lá, mas depois contas-me tudo, ouviste?”, “sim sôpsora”, já atrás do sacristão, pouco maior do que eu, em direcção à igreja.

Levou-me até à sacristia onde estava um padre vestido de saias vermelhas ao lado do padre da terra, de saias pretas, “vem cá cumprimentar o xenhor bispo”, estico a mão num passoubem bem-educado, o padre “beija o anel, beija o anel” e eu basbaque a olhar para ele “beija o anel do xenhor bispo”. O bispo “deixa lá o miúdo” e para mim, “então meu filho, dize-me cá, o que achas do nosso milagre?”, “o quê, aquilo? é só resina”, a boca do bispo a arredondar-se num ó de espanto, e eu “é por causa da gaiola”, o Ó agora maiúsculo, “disse-me o meu avô!".

Regulamento para a instrução de ordem unida


2.º - Das posições



Sentido

30 – Nesta posição, o homem tem os calcanhares na mesma linha e unidos, as pontas dos pés voltadas para fora e afastadas, aproximadamente, dum intervalo de um pé, as pernas estendidas, o ventre recolhido, o tronco bem aprumado sobre os quadris, os ombros recuados e naturalmente descaídos, o peito avançado, os braços pendentes sem que os cotovelos se unam ao corpo nem se arqueiem com afectação, as mãos abertas com as palmas voltadas para as coxas e os dedos unidos, ficando o indicador encostado à costura das calças, a cabeça direita, queixo recuado e a vista fixada bem sobre a frente.


Descansar

31 - Desloca-se o pé esquerdo cerca de 0,30m para a esquerda (contados entre os calcanhares) e cruzam-se as mãos na frente do corpo, ficando a mão direita sobre a esquerda e os dedos polegares cruzados, de modo que o da mão direita fique entre a palma e o polegar da mão esquerda, e o peso do corpo igualmente distribuído pelas duas pernas.
----- Nesta posição os homens mantêm-se atentos e firmes, até receberem a voz de:


À vontade

32 – Nesta posição os homens têm liberdade de movimentos, sem contudo deslocarem o pé direito, que conservam firme, para não perderem o alinhamento, liberdade que cessa logo que lhes seja dada a voz de:

Firme

33 - A esta voz, os homens, da posição «à vontade», que à voz de advertência haviam cruzado as mãos, esticam os braços enèrgicamente, levantam a cabeça, tomando a posição indicada no n.º 31, mas sem rigidez.
34 - Para passar da posição de firme à de sentido, a esta voz, com uma ligeira elevação dos calcanhares, une-se vivamente o calcanhar esquerdo ao direito, sem arrastar o pé, de forma a a ouvir-se o batimento do calcanhar, ao mesmo tempo que se levantam os braços ao lado, tomando a posição do n.º 30.

Ministério do Exército 1956

clik1 --- clik2 --- clik3 --- clik4 --- clikChapa --- clikSusanne --- clikCybeRider --- clikChoca --- clikSilvares --- clikRemus --- clikIris -