O desespero é um verme que nos rói por dentro.

 
 
Um verme que encosta a cabeça de broca ao nosso corpo e nos perfura a pele. Que nos invade as artérias, que trilha, arranha e morde, numa fúria violenta. Imparável. Ataca primeiro as cordas vocais para nos afogar o grito na garganta. Depois escava longos túneis, com a sua boca voraz repleta de dentes – como a dos tubarões – e garras como navalhas com que nos corta o ânimo e despedaça o alento. Penetra bem fundo num emaranhado de canais que nos chegam aos órgãos, que atingem o cérebro e rasgam o coração. Constrói galerias labirínticas que percorre incansável,  num rasto de excrementos, onde deposita ovos de medo e dor. 

O desespero arranca-nos pedaços do corpo como a lepra. Vai minando a carne até apodrecer, até caírem bocados no chão. Restos de nós, sem peso e sem nome, cinzas peganhentas que nem a chuva lava nem o vento espalha. Como os leprosos exibimos estigmas que nos afastam dos outros e nos isolam numa mortalha opaca e suja que não nos deixa enxergar cura ou salvação. 

O desespero é um revólver contra o palato. Uma lâmina de barba nos pulsos. Veneno de ratos na sopa. Um imperceptível hálito de automóvel. Uma corda presa na trave. Um tubo de comprimidos vazio. Um salto da ponte. Um passo a mais na falésia. Seringa. Copo de vinho. Pode ser a gota de água.

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19 comentários:

ana barata disse...

É difícil comentar esta imagem... deixa-nos um nó na garganta.

Micha disse...

Johnny Cash como fundo para ler o seu texto e' perfeito.... texto sharp, forte muito bem construido e que em mim criou uma imagem que nao corresponde com a da foto (apesar de gostar imenso da foto)....mas dai da pano para manga....o desespero do outro so nos e' visivel quando corresponde aos esteriotipos (expectitivas) que construimos e carregamos dentro de nos a partir de uma narrativa? Belo trabalho!!

the dear Zé disse...

Micha, que grande comentário, só por isso já valeu a pena...

Olha, bem sei que pode parecer um estereótipo, e seria se eu não conhecesse o senhor, a história da sua vida que se adivinha no olhar. Por outro lado, o texto mistura outras coisas que não são só dele... deixamos sempre um rasto... uma baba de caracol...

:.tossan® disse...

O comentário que fiz no outro blog serve muito bem para este também a vida como ela é como mostra a esplêndida foto...Só que a arte está na forma do conteúdo do texto que é incrível de bom! Abraço

kiko esperilla disse...

Inmensa Caçador, que bien transmite.

Gabiprog disse...

ayyy
Igual somos nosotros unos gusanos, gusanos perdidos en un laberinto!

Grandes palabras!

Angel Corrochano disse...

Un relato extremecedor, con una fotografía que ilustra a la perfección lo conceptual de la propuesta. Las miserias humanas bien reflejadas en este retrato y el ambiente que lo abriga, sin artificios, sin tratamientos superfluos, a todo color, como es la cruda realidad.

Un abrazo amigo

roserouge disse...

Muito bom, Caçador, que texto fantástico! Sofrido, mas muito bom. Ora, sai mais um faduncho rouxinol prá mesa do canto!

fotosbrujas disse...

un sensacional retrato, me ha encantado y la entrada anterio parece el fotograma de una pelicula
sensacional
saludos

Unknown disse...

Mais um excelente post: imagem e texto, ambos profundamente tocantes e impressionantes.

Ví Leardi disse...

...este olhar...quase 'naïve'de uma inconsciência etílica com os lábios em um sorriso tímido e envergonhado,mais do que transparecer o desespero que seu texto impactante nos traz, me faz sentir ....esta fragilidade extrema de quando achamos que 'não tem saída'...desta solidão absoluta!

Chapa disse...

No sorriso tímido ainda encontramos vestígios de esperança.
O desespero pode ser uma energia positiva, uma espécie de adrenalina que nos force a transcender a realidade, em vez da modorra etílica ou opiácea que atrai para o abismo como canto de sereia.

Sérgio Aires disse...

é, é isso. Sem comentários. Compreendo agora ainda melhor o sentido desta expressão.

Andres Vargas disse...

Una buena foto que describe todo lo dicho por ti!!

Silvares disse...

Caraças!

Anónimo disse...

só alguém muito generoso pode transmitir coisas assim. essa generosidade é, sem dúvida, uma fonte de inspiração sem fim. é caso para agradecer :-)

William Alexander López disse...

Que tremendo y conmovedor relato, pero a veces tan cierto , a veces somos victimas de esa desesperación.

Abrazos

Merce disse...

Esgotasme as palabras...

L.Reis disse...

Doem-me as tuas palavras. Dói-me o que adivinho para além delas. Dói-me aquela vida que espreita por entre mãos, dói-me a ausência de um sentido... ou qualquer coisa que se lhe assemelhe...dói-me a vida, sem milagres nos bolsos.